Mudança da Capital de Ouro Preto para Belo Horizonte- Curral Del Rei
Quando se pensa na cidade de Belo Horizonte como o surgimento de uma nova capital para o estado das Minas Gerais, levanta-se uma questão importante: Como especializar os novos ares modernos republicanos na capital das minas? Portanto, ao analisar o contexto histórico, pode-se entender o surgimento de uma cidade totalmente nova em detrimento de uma capital já existente, no caso, Ouro Preto.
Os ideais republicanos brasileiros estão à luz do positivismo do século XIX, aliados ao discurso bem calcado em “ordem e progresso” (D’ELIA, 2007, pg.316), por isso, acreditava-se em uma redenção por meio da modernização das cidades neste período.
O planejamento urbano da República também representava essa ideia, pois o processo de construção das cidades planejadas envolvia, necessariamente, um discurso de superação, visando resgatar os erros cometidos num passado tido como retrógado (escravocrata) e atrasado (colonial e senhorial); por isso, alegava-se que o país não seria uma grande potência, a não ser que surgisse um fato gerador que possibilitasse a estruturação desse processo. (D’ELIA,2007, pg. 317)
Assim, Ouro Preto possuía justamente estas características coloniais as quais os representantes políticos tanto desdenhavam. Além da sua arquitetura Barroca, por exemplo, bem como a edificação da Casa dos Contos, onde eram feitas as cunhagens, prensa do ouro e a cobrança de impostos como o quinto e a derrama para a coroa portuguesa.
Dentre os motivos para mudança de capital, além do processo político já dito pela Proclamação da República em 1889, podemos citar a crise da mineração (RAGGI, 2015), a dissociação do poder político do poder econômico e a desarticulação territorial do estado (AGUIAR, 2006, pg.35-36).
Portanto, seria inviável praticar os conceitos de modernidade por meio da mudança e do progresso (MACHADO, pg. 80) em uma cidade como Ouro Preto, cuja representação colonial não representava os ideais políticos de uma nova era.
Figura 1: Vista Panorâmica de Ouro Preto
Fonte: Vous Voyez Letrop (2015)
O tema do progresso, ainda que a ele estivessem associados valores e projeções tão divergentes, conferia um sentido paradoxal à concepção de república e, consequentemente, da nova capital. O novo regime tinha pela frente a importante tarefa de dotar a sociedade brasileira de um sentido de unidade, substrato para a formulação de uma identidade comum. O Império consolidara o Estado Nacional, suprimindo os conflitos internos e assegurando a integridade do território. Tratava-se, agora, de construir a nação brasileira. Ora, ao associar a construção da nação à ideia de progresso, procurou-se obliterar a herança cultural do passado colonial e escravista, desqualificando-a como fonte da identidade nacional. Configurou-se, por conseguinte, a busca de uma identidade que, embora pudesse recorrer a fatos e personagens do passado, contraditoriamente fundava-se, no futuro. (JULIÃO, 2011 )
Após inúmeros questionamentos, já apresentados, em relação a até então capital, foi realizada uma reunião Constituinte no dia 30 de março de 1891, tendo como resultado cinco regiões a serem estudadas para viabilidade do projeto de transferência administrativa do Estado: Barbacena, Juiz de Fora, Paraúna, Várzea do Marçal e Curral Del Rey. Após as análises dois lugares se sobressaíram para sediar a nova capital, a Várzea do Marçal, em São João Del Rei, e o Curral Del Rey, sendo o Curral Del Rey a opção do Estado.
Segundo BARRETO (1995), no dia 17 de dezembro de 1893, em Barbacena, foi promulgada pelo Congresso Mineiro a lei que estabeleceu a mudança da Capital do estado para a cidade que deveria edificar no arraial de Belo Horizonte, com o prazo improrrogável de quatro anos para as mudanças e as construções necessárias. A convite do conselheiro Afonso Pena, presidente do Estado, o engenheiro Aarão Reis é posto como líder da Comissão Construtiva, que destruiria o arraial para erguer a moderna capital.
Priorizando pontos de caráter técnico como saneamento básico, eletricidade e acessos com a criação de avenidas (onde é construída a Avenida Afonso Pena), o projeto do Dr. Aarão Reis negou o aspecto social dos antigos moradores do arraial, pois eles não fariam parte da nova capital. As moradias de Belo Horizonte seriam habitadas principalmente por funcionários públicos, essenciais na administração do Governo, e antigos proprietários de Ouro Preto que queriam permanecer no polo financeiro/econômico/industrial de Minas Gerais.
No decreto número 817, de 15 de abril de 1895, foi aprovada a Planta Geral de Belo Horizonte, que dividiria a cidade em três zonas distintas: zona urbana, zona suburbana e área de sítios. A zona urbana corresponde a área central, limitada pela Avenida 17 de Dezembro (Avenida do Contorno). A zona suburbana, além da Avenida, é construída de quarteirões irregulares, grandes lotes e ruas traçadas conforme a topografia. Esta área é formada por vários bairros e, envolvida pela área de sítios, zona esta destinada à pequena lavoura.
Figura 2: Planta de Belo Horizonte elaborada por Aarão Reis
Fonte: Acervo Mineiro
Para realizar a higienização da população residente no arraial Curral Del Rey, a Comissão Construtora aconselhou o Governo a comprar 428 propriedades na região, ocasionando na desapropriação daqueles que não se encaixavam na proposta progressista da nova capital mineira. Foram pagas baixas indenizações aos proprietários, que não conseguiram comprar lotes na zona urbana da cidade, forçando-os a migrarem para a zona suburbana e abandonar seu antigo lar. Isso tudo em prol de uma harmonia progressista.
Verificou-se outro ponto em comum em relação à premissa de que o planejamento técnico e as teorias da disposição urbana com base no higienismo, funcionalismo e gregarismo criaram novas formas irradiantes de harmonia. (D’ELIA, 2007, pg.319)
Com decreto assinado por Crispim Jaques Bias Fortes, presidente do Estado, a nova capital intitulada Cidade de Minas é regulamentada, sendo inaugurada em 12 de dezembro de 1897.
Decreto número 1085, de 12 de dezembro de 1897: O Presidente do Estado de Minas Gerais, no uso das atribuições que lhe confere a Constituição do Estado, em cumprimento do artigo 13 de suas disposições transitórias e da Lei número 3 adicional à mesma Constituição, decreta: ARTIGO ÚNICO: É declarada instalada a Cidade de Minas e para esta transferida a sede dos Poderes do Estado de Minas Gerais. Os Secretários do Estado dos Negócios do Interior, da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e das Finanças assim o tenham entendido e façam executar. Palácio da Presidência do Estado de Minas Gerais, 12 de dezembro de 1897 (BARRETO, Abilio, 1995)
O nome Belo Horizonte foi adotado definitivamente apenas em 1901, na tentativa de se desvincular do período monárquico, terminado na Proclamação da República em 1889.
A construção da nova capital representou não o rompimento entre o velho e o novo, ou o moderno e o antigo, mas o emparelhamento da tradição com o futuro. Belo Horizonte era a união dos projetos futuros com as origens libertárias do passado. (LUSCHER, Pedro de Castro, 2011)
O projeto republicano progressista de uma nova capital mineira, ainda coordenado por Aarão Reis, expressa um duplo movimento segundo LUSCHER (2011)
A República elaborava um nacionalismo brasileiro, promovendo Ouro Preto à preservação na intenção de proteger as lutas pela liberdade (a Inconfidência Mineira e a Revolta de Felipe do Santos como símbolos do Estado), colocando-a como um aspecto de cidade histórica. Já Belo Horizonte deveria expressar todo o progresso cientificista do positivismo do século XIX e representar os ideais modernos da República. Porém, por ter recebido diversos proprietários de Ouro Preto e por estar cercada por antigos moradores do arraial Curral Del Rey.
Para o caso das cidades-metrópole dos séculos XIX e XX, Berman identifica a existência de projetos de modernidade que se materializam nas grandes reformas urbanas, mas se debatem com a presença marcante de comportamentos e valores tradicionais, e com as próprias espacialidades do passado. (SIMÃO, Fábio. 2008, pg.70)
Em abril de 1895, Aarão Reis pede exoneração do seu cargo alegando problemas de saúde, sendo demitido no mesmo ano. Deu lugar ao engenheiro Francisco Bicalho. Desta forma se encerrava a primeira fase da Comissão Construtora, ou seja, a fase de organização dos serviços, planejamento geral das obras.
Belo Horizonte foi então projetada para ser a capital de Minas Gerais e símbolo republicano. Cidade planejada, com projeto baseado na cidade de Paris do Barão de Haussman, moderna, monumental, com ruas largas e segura. A imposição da cidade ao arraial é símbolo da destruição criadora em prol do desenvolvimento econômico que se faz presente na mentalidade moderno exaltando as suas contradições da modernidade (BEHRMAN, 1982), presente na lógica capitalista. Busca-se a vanguarda e para alcançá-la o movimento modernizador não se constrange em destruir por completo a menção ao passado tradicional.
Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e frequentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades. (BERMAN, 1982, pg. 13)
A modernidade também se apresenta no próprio projeto da cidade com sua lógica cartesiana e o desenho de suas ruas e esquinas inseridas em um plano ortogonal conforme observa Roberto Luís de Melo Monte-Mór:
Belo Horizonte nasceu planejada de acordo com a ordem positivista, filha dos desdobramentos do Iluminismo em suas manifestações do final do século passado. A ideologia da ordem e progresso foi expressa na sua configuração urbana, nas linhas e esquinas retas, rigidamente delimitadas, mais adaptadas aos cânones barrocos da tradição ibérica e do modismo francês do que às condições específicas da natureza e do terreno onde se implantava. (MONTE-MÓR, 1994; p.14)
A nova capital mineira, a princípio, foi constituída para a ocupação urbana dentro do limite da Avenida do Contorno. Segundo Joseane de Souza (2008, pg. 39-30) em sua tese: “A expansão urbana de Belo Horizonte e da região metropolitana de Belo Horizonte: o caso específico do município de Ribeirão das /neves”, esta ocupação estava por conta do poder público que deveria redistribuir os lotes através da venda, principalmente, para pessoas de melhor poder aquisitivo, pois havia um intenso aumento no valor destas terras urbanas.
A área urbana havia sido planejada para abrigar a população com melhores condições socioeconômicas, principalmente os funcionários públicos transferidos de Ouro Preto, enquanto a população mais pobre deveria residir em áreas suburbanas e rurais, mais distantes do centro, consideradas menos nobres e caracterizadas pela escassez ou ausência absoluta de infraestrutura (SOUZA, 2008. Pág. 40)
Portanto, a distribuição de terras tornou-se problemática devido a “população indesejada” de trabalhadores oriundos da construção de Belo Horizonte, camponeses que já moravam no antigo arraial e não tinham condições de comprar as novas terras e imigrantes de vários países europeus que vinham tentar a sorte na América. Não havendo espaço para estas pessoas, houve a maciça ocupação das áreas que ficam no entorno da Avenida do Contorno. Áreas estas que também foram pensadas como apenas para abastecimento da parte que seria urbana na concepção da capital (SOUZA, 2008) trazendo assim, uma expansão que não foi pensada para Belo Horizonte.
A RMBH está inserida na dinâmica demográfica e econômica dos grandes aglomerados metropolitanos. Sendo uma cidade relativamente recente, com pouco mais de cem anos, Belo Horizonte foi criada e planejada com o objetivo explícito de manter regulada a distribuição espacial e social da população. No decorrer de sua breve história, Estado e capital imobiliário promoveram uma permanente redistribuição espacial da população, de acordo com as exigências do padrão de expansão urbana – que tem como uma de suas características básicas a segregação espacial da população mais pobre. Com o tempo, a expansão urbana da capital extrapolou seus limites, invadindo os municípios vizinhos e metropolizando a segregação social dos mais pobres. (BRITO; SOUZA, 2005; 5)
Podemos analisar esta expansão como ponto de partida da Praça Sete de Setembro localizada bem ao centro de Belo Horizonte onde existem os eixos Av. Amazonas, ligando o leste e o oeste e da Av. Afonso Pena, que liga norte e o sul de Belo Horizonte, sendo este último o objeto de estudo, portanto será mais bem detalhado a respeito da Av. Afonso Pena durante a pesquisa. Contudo, podem-se destacar estes eixos como principais norteadores do crescimento urbano da cidade, a transformando na cidade que é hoje.
O vetor Oeste foi o primeiro a se consolidar como eixo norteador da metropolização de Belo Horizonte, por meio da Av. Amazonas ligando o centro com o bairro Cidade Industrial e o parque industrial de Contagem, ganhando força durante o período modernizador de Juscelino Kubitscheck durante a década de 30.
O crescimento da metrópole em direção ao vetor sul é potencializado pela construção do BH Shopping e pela expansão da Avenida Senhora do Carmo e da BR 040. Diferencia-se dos outros vetores de expansão por apresentar loteamentos e condomínios para as pessoas das classes mais ricas da cidade. A presença das companhias mineradoras e a eficiente atuação do mercado imobiliário. Assim como parte do vetor norte também principalmente em regiões como a Pampulha e Venda Nova.
FONTE PARA CITAÇÃO: GOMES, G. C.
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